quarta-feira, 14 de setembro de 2011



“O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.”


SEI QUE








nada sei do barco sem rumo solto no mar
nada sei do navegar e do rumo

assumo

à deriva
ouço o vento
cheiro o mar

nada sei








(Juleni Andrade)

sábado, 25 de dezembro de 2010

GUIRLANDA DO EXERCÍCIO POÉTICO






Verso a verso,

ponto a ponto...

cada poema,

um encontro.



Não importa

a metáfora,

pois nascem

mais liras em cada etapa.



Felicidade

rima com a vontade

de versejar

com liberdade.



Um ano findando,

outro já já chegando...

Seguimos nas imagens,

sorrindo e brindando.





JULENI ANDRADE

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O FAROL

Depurava alguns sentimentos enquanto observa o farol aceso. Já era bem tarde e o silêncio era quebrado pelo vento no bambuzal. Aqui, todos dormiam tranquilamente. Pernilongos nem passarinhos, por conta dos eucaliptos.
A casa era espaçosa e arejada, as janelas e as portas largas, paredes brancas, móveis rústicos. Fruto de muito trabalho.
A melancolia visita-me regularmente, parece querer casar comigo. À noite fujo da minha mulher, ela é muito severa e tem ciúmes da minha nostalgia. Pouco sabe dos meus pensamentos, nunca soube. Então, naquela noite depois de vê-la adormecida - ela ainda conserva-se bela - fuji para a varanda. O farol era um ponto de referência no breu.
Já com meus mais de setenta anos, tenho marcas irreversíveis. Os sulcos da pele flácida, a alma ferida pelas decepções, calos nas mãos e nos pés, manchas pelo corpo, dentes a menos. Cabelos ralos, brancos, finos e curtos. A orelha crescida demais e audição de menos. Óculos mais grossos e fala mais mansa. O peito dolorido pela angina e pela amargura. Estômago fraco e pernas bambas. Mas os sentimentos cada vez mais imponentes.
Sentado no banco de tábua corrida, perto do vaso de camarões amarelos, junto ao coqueirinho meio seco... ali, só eu e aquele farol. Minto. Eu, o cigarro, o cinzeiro cheio, os vasos de Madalena, a tosse e o farol.
Aquela luz toda era um aparo.
Olhei durante um tempo para o iluminador. Senti queimar nos olhos. Foi assim que decidi dá o salto.
Levantei apoiado por uma bengala. Andei até o portãozinho de ferro, abrindo bem devagar. Aí pelo jardim até o portão de entrada e saí caminhando na estrada até ao farol. Lá chegando, com muita dificuldade, subi os oito primeiros degraus de acesso ao farol.
Há alguma coisa que sempre acontece comigo e aconteceu naquela hora: a fraqueza.
Com vocês devem saber, não fui capaz de subir ao farol; não fui capaz de morrer naquela noite; não fui capaz de explicar para Madalena o motivo de ter dormido fora de casa.





JULENI ANDRADE



quarta-feira, 10 de novembro de 2010

PERCEBO-ME FRÁGIL








Daqui, eu que sou manso, posso avistar os sinais da guerra. Tenho um rosto amável, porém a imagem dilacera qualquer sorriso. Vejo a multidão aproximando, em meio aos poucos automóveis que tentam andar. Meu corpo franzino não é apropriado para ir à luta, tenho mãos frágeis e pernas finas.



O céu nublado dá o tom do contexto.



Rua apertada, com paralelepípedos irregulares, calçadas estreitas, meios fios caiados. As fachadas das casas velhas têm pinturas desgastadas pelo tempo e o desleixo. Como meus cabelos embranquecidos, porém amarelados pela falta de trato.



A tarde é quente e úmida e eu febril.



Do alpendre, vejo o cortejo alvoroçado. Em mim não há alvoroço, sou velho demais para tais emoções. O povo grita por justiça, esboço um pensamento de apoio, esqueço logo. Sempre acho estranho o agrupamento de desiguais em causa una. Talvez, seja minha experiência sobre aglutinações.



Um vento fraco sopra em minha cara, sinto o cheiro de flores.



Minha visão não é a mesma de alguns anos, não reconheço rostos à distância. Então, temendo ao que está no porvir das horas, resolvo entrar em casa e trancar a porta. Sei que haverá sangue, sei do perigo, sei que a justiça não virá.









JULENI ANDRADE

REENCONTRO MARCADO






Recebi gens de guerreiros. Tenho olhos de um negro bem agudo, supercílios espessos e boca proporcional ao rosto magro e triangular. Posso dizer que meu nariz é italiano como o do meu avô fascista. Já minhas mãos são compridas, herdadas do outro avô pianista.



Estou sentado em um banco da praça central desta cidadezinha pequena. Tudo aqui é muito familiar, menos o chafariz recém inaugurado. O chão é de pedra e há algumas graminhas entre elas. Daqui vejo o portão da escola, é igual como estava há cinco anos.



Meus pés magros, dentro do italiano legítimo, suam. Enxugo a testa pela milésima vez, o lenço não suporta mais tanto suor. Trago a fumaça do último cigarro da carteira, o relógio parece sem pressa.



O portão da escola, fechado, parece ser uma esfinge guardando o prédio do século dezenove. Decifrá-lo não sou capaz, nunca fui.



Preciso conter a ansiedade sentida. Esperar a hora exata, certeira do adentrar. Minha boca, em uma secura extrema, auxilia minha respiração. O ar está fortemente pesado, eu estou agitado por dentro. Nenhuma alma chega ao portão e o sino não toca.





JULENI ANDRADE

SOLILÓQUIO EVENTUAL






Num sei não, sinhô dotô. Sou fio do chão e sem teto. Dessi jeito me amperto, conforme deus mandô. Aconseio minhas fias a cuidá bem das crias, com carim, comida, consei e amô.






É muita falação, conversa pra boi drumi, genti qui veve a fingir qui gosta de nóis daqui.


Sabemo que genti di posse num tem pena de quem veve com renda pequena.






Saí cedo da iscola, pra modi cuidá da lida. Sei qui saco vazi num para impé. Num é vida isculida, num é qui a genti qué.






Semo trabaiadô. Sonho in vê meus neto com us istudo compreto, inté virado dotô.


Num é o qui o sinhô deseja, tem medo da peleja na hora di cumpeti. Intão, chama nóis de cego. Achu graça, num nego.






Mais num fica aperriado, o sór bate na cara di todos.Quando se acostumá com nossa cara


sentada na merma sala que vossa celênça, Vai vê qui nossa genti é tão intiligente


como os fio do sinhô. Daí seremo tudo irmão, como deus nosso pai insinô.






Agora dá licença, num posso ficá proseando. Cês chama nóis de vagabundo, mas a hora tá passando, o trabai ta misperando e a condução é a canela. Inté mais vê. Num sisqueça duma coisa, somo tudo brasilero. Nem pricisa falá nada, podi ri da minha cara, seus fi e o sinhô.










JULENI ANDRADE

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

APARTADA






Longe de tudo, de todos,


de mim...






Reino, absoluta,


presa à vida recriada na cela.






Ensaio um cântico de louvor


ao silêncio que espanta


qualquer lei.






Sei que sou apenas eu:


um rascunho do que serei.










JULENI ANDRADE

sábado, 18 de setembro de 2010

ILUSÕES






Voavam por um azul belíssimo...



Eram dias amáveis,

bordados ,

cantados.



Sorrisos acariciavam o tempo

firme.



Repentinamente...



Foram assaltados

pela realidade.





JULENI ANDRADE

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

FALTAM-ME VERSOS

“Triste é não ter um verso maior que os literários,


é não compor um verso novo, desorbitado,

para envolver tua efígie lunar, ó quiméra

que sobes do chão batido e da relva pobre.”





(Carlos Drummond de Andrade: CONTEMPLAÇÃO NO BANCO, em Claro Enigma)







FALTAM-ME VERSOS



Claro,

como o sol que invade a face

ou uma delas...



Belas imagens

contidas nas velas ao vento

do tempo quase lento,

quase ligeiro,

passageiro.



Porém sobram coisas,

faltam-me versos...



para que eu

fale do seu

Claro Enigma.





JULENI ANDRADE