segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O FAROL

Depurava alguns sentimentos enquanto observa o farol aceso. Já era bem tarde e o silêncio era quebrado pelo vento no bambuzal. Aqui, todos dormiam tranquilamente. Pernilongos nem passarinhos, por conta dos eucaliptos.
A casa era espaçosa e arejada, as janelas e as portas largas, paredes brancas, móveis rústicos. Fruto de muito trabalho.
A melancolia visita-me regularmente, parece querer casar comigo. À noite fujo da minha mulher, ela é muito severa e tem ciúmes da minha nostalgia. Pouco sabe dos meus pensamentos, nunca soube. Então, naquela noite depois de vê-la adormecida - ela ainda conserva-se bela - fuji para a varanda. O farol era um ponto de referência no breu.
Já com meus mais de setenta anos, tenho marcas irreversíveis. Os sulcos da pele flácida, a alma ferida pelas decepções, calos nas mãos e nos pés, manchas pelo corpo, dentes a menos. Cabelos ralos, brancos, finos e curtos. A orelha crescida demais e audição de menos. Óculos mais grossos e fala mais mansa. O peito dolorido pela angina e pela amargura. Estômago fraco e pernas bambas. Mas os sentimentos cada vez mais imponentes.
Sentado no banco de tábua corrida, perto do vaso de camarões amarelos, junto ao coqueirinho meio seco... ali, só eu e aquele farol. Minto. Eu, o cigarro, o cinzeiro cheio, os vasos de Madalena, a tosse e o farol.
Aquela luz toda era um aparo.
Olhei durante um tempo para o iluminador. Senti queimar nos olhos. Foi assim que decidi dá o salto.
Levantei apoiado por uma bengala. Andei até o portãozinho de ferro, abrindo bem devagar. Aí pelo jardim até o portão de entrada e saí caminhando na estrada até ao farol. Lá chegando, com muita dificuldade, subi os oito primeiros degraus de acesso ao farol.
Há alguma coisa que sempre acontece comigo e aconteceu naquela hora: a fraqueza.
Com vocês devem saber, não fui capaz de subir ao farol; não fui capaz de morrer naquela noite; não fui capaz de explicar para Madalena o motivo de ter dormido fora de casa.





JULENI ANDRADE



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